segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Duas coisas engraçadas do mundo jurídico

1) Frase mais do que comum nos documentos jurídicos: "... em observância às disposições da lei 8.666/93 e suas alterações POSTERIORES"

Ta certo que não sou bom em achar perdidos, mas, por mais que fuce, não consigo encontrar as alterações ANTERIORES de nenhuma lei.


2) Não é de hoje que as Leis Municipais de São Paulo vêm com esse preâmbulo:

"Fulano(a), Prefeito(a) do Município de São Paulo, no uso das atribuições que LHE são conferidas por lei, FAZ saber que a Câmara Municipal decretou e EU PROMULGO a seguinte lei:"

Afinal, quem é o Prefeito? é ELE (LHE) que FAZ saber; ou EU, que PROMULGO?

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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Cães e gatos ainda

Já tinha escrito o "Cães e Gatos" abaixo, mas hoje achei que faltava um pedaço.

Gatos são mesmo adultos. Sempre.

Os cães unem as pontas e não têm o meio. São crianças até que se aposentam e se tornam grandes velhos. Mansos, olhar de companheiros, como os nossos melhores anciãos vira-e-mexe tiram alguma energia dos ossos pra brincar de novo. Pras folias.

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sábado, 17 de dezembro de 2011

Cães e gatos

Cães são crianças e gatos são adultos.

Como preferir um ao outro?

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

A pergunta mais difícil

- Quero pagar com cartão. Aqui está.

- Crédito ou débito?

- Esse é crédi.. não, débi... péééra, crédi... éé... CRÉDITO! ESSE É CRÉDITO.

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PS: queria muito ser cartunista

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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Negócio da China

Sociedade num pronto-socorro cardiológico no Itaquerão

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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Pizzas e expressões

Pizzaiolo tem o direito quase divino de errar à vontade. Pode fazer pizza, como se o fosse!, de frango com catupiri, califórnia, chocolate e qualquer outro descalabro que a temerosa criatividade culinária invente.

Até milho!

Mas essa prerrogativa não dá, de jeito nenhum, ao empoeirado o direito de estragar nossas expressões.

Uma coisa que não é nem assim nem assado sempre foi dita "mezzo alice, mezzo mozarela", com sotaque carregado e errado.

Duas certezas contrapostas montavam uma dúvida.

Agora, que vêm esses pilotos de forno a lenha conspurcar com mozarela a pizza de alice, como fica o dito: "Isso é assim-assim: mezzo alice i mozarela, mezzo mozarela"?

É o mezzo do mezzo! Tem cabimento?

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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Felicidade possível

O cara que foi moleque bom-de-bola já teve, da vida, metade da felicidade possível.

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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Ângulos, Reais e grilhões (*)

É muito difícil se livrar de alguns dos grilhões da cultura.

O retângulo é um deles e a arquitetura corriqueira prova isso. Os ângulos retos parecem impostos pelo movimento das gavetas, delas para os móveis e dos móveis para os cômodos, já que nem todo mundo se conforma com cantos inúteis na casa, embora não o sejam.

O mesmo retângulo dominou o papel para escrever, pois as linhas tinham que ser constantes; e o papel-moeda, sem nenhuma razão além do corte sem perdas, coisa que só fazia sentido antes das técnicas de reuso.

Agora, as novas notas de Real têm tamanhos diferentes para a identificação de quem enxerga pouco ou nada. Difícil imaginar coisa mais justa.

Mas há um prejuízo nos novos formatos. As carteiras (masculinas!) podiam ser mínimas, quase do tamanho de um cartão eletrônico e de uma nota das antigas, dobrada. Ao aumentar a de 50 e a de 100 para diferenciar, elas passam a não caber mais no mesmo cantinho.

Não fosse o preconceito do ângulo reto, nosso dinheiro não precisava crescer. Bastava usar outras formas geométricas: a de 100 seria um retângulo (vá lá); a de 50, um pentágono; a de 20, um hexágono; a de 10, uma elipse; a de 5, sei lá, pense aí.

Hexágono e pentágono irregulares, claro. Compridinhos. Não me venha com outro preconceito de que polígonos têm que ser regulares.

(Calma aí, espertinho. Repare que, se cortar um pedaço, diminui o valor. Já tava pensando em pegar a tesoura pra enganar o cego?).

De quebra, ainda teríamos o dinheiro mais peralta do planeta.

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(*) pro Glauco Matoso

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Assim como 4

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"O feijão tava mais insosso do que texto revisado."

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terça-feira, 27 de setembro de 2011

A morte e a morte da carta

A primeira morte da carta nem sei direito por que se deu. Talvez por causa do telefone, aos poucos o correio passou a enviar apenas contas e malas diretas.

Eu mantinha um único correspondente. Escrevia pra um amigo em letra de mão, com tinteiro, e ele respondia na Remington, que sua letra ninguém lia, ainda mais rabiscada naquele traço de lápis apenas sugerido, como os esboços que ele faz pra pintar.

Quebrou-se a Remington, ele parou de escrever, passamos a nos falar mais amiúde na praça, e minha balança de pesar cartas continua lá, pendurada mas aposentada, empoeirando.

Coincidência ou não, tiraram também a caixa de correio da esquina, pode-se imaginar a razão: "ufa, até que enfim esse Mario parou de escrever! tirem a caixa".

Nasceu então o e-mail. Renasceu a carta. A carta com tecnologia. Uma beleza, se podia escrever pra um grupo de amigos, bem selecionados, conforme o tema e o coração, e ficar naquela troca de respostas por dias. Era a carta turbinada.

Mas, se tem um defeito grave na tecnologia, é que ela evolui depressa demais.

Nasceu o fac(m)e-book. O e-mail turbinado. A carta turbinada ao quadrado. Os amigos, antes selecionados, agora proliferam como bactéria em maionese. Enviam-se convites de amizades como aqueles meninos de pátio de recreio que corriam e propunham: "você quer ser meu amigo?". Sem critério além do da proximidade. Critério para a amizade é coisa que se conquista com a vivência.

Todos dizem que é outro o objetivo, que a rede social é importante para as trocas, principalmente profissionais. Pode ser, mas o e-mail morreu. Agora no fam(c)e-book a gente escreve pra uma grande pessoa jurídica, sem rosto: os amigos(?) de mim.

É a segunda morte da carta.

Inútil lamentar, a tecnologia não tem caminho de volta. Sempre pra frente, por isso às vezes encalha no mata-burro.

Sei que fui castigado pela infidelidade, mas vou atrás do perdão. Alguém há de consertar Remingtons, a poeira pouca imprecisão deve ter botado na balança e ainda tenho os selos. Só falta a caixa de correio da esquina e vou ter que pegar o carro. Quem sabe entrego as cartas em mãos.

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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Saudosa Maloca e Minha história

Os dois são artistas realmente populares.

"Saudosa maloca" (*) e "Minha história" (**) começam do mesmo jeito:

"se o senhor não ta lembrado / dá licença de contá"

e

"seu moço qué sabê / eu vou contá num baião"

Na Saudosa Maloca o narrador não é o próprio Adoniran, mas um dos despejados do trio feito do revolucionário (que grita), do legalista (os home tão com a razão) e do religioso (o frio conforme o cobertor). Na Minha História é o João que fala da própria infância de vender pirulito, mas pra lembrar a dos outros realmente desprovidos (mas o negócio não é bem eu, é mané, pedro e romão, que também foi meus colega e continua no sertão, não pudero estudá e nem sabe faze baião).

Alguém devia cantar uma coladinha na outra. Voto no Paulinho da Viola. Quem sabe trançando os versos das duas no final. Pra isso servem os intérpretes.

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(*) Saudosa Maloca - Adoniran Barbosa

(**) Minha História - Raimundo Evangelista e João do Vale

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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pérolas campesinas

Dois caipiras pescam na beira do rio.

De repente, passa um elefante voando. Eles olham e não dizem nada.

Outro elefante passa voando. Nem uma palavra.

Quando passa o terceiro dumbo, sempre na mesma direção, um deles não aguenta:

- o ninho deles deve sê pra lá!

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O cumpadre tava que arrastava a asa pra cumadre.

Um dia o cumpadre-marido saiu cedo pra roça e o cumpadre-alado foi logo se instalando na cozinha da cumadre. Aquele negócio todo no ar.

E um olha prum lado e a outra olha pro outro e cutuca a unha suja e raspa sujeirinha na mesa até que, 45 minutos de silêncio depois, o cumpadre-alado arrisca:

- oh cumadre, nois vamo transá ou tomá café?

- ma cumprade!, num é que ocê me pegô sem pó?

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Assim como 3

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"Ruim de bola, era entusiasmado como um trombonista do Sinatra"

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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Palavras espancadas

Tem palavras que estão surradas. Tão marcadas que ficam proibidas de sair em público.

“Feliz” é uma delas. Precisei escrever “pro nosso povo viver feliz” e me bateu uma bruta vergonha, confesso. No dicionário nenhum sinônimo satisfaz: ditoso (!), afortunado, venturoso.

Botei “feliz”, mas ainda procuro a substituta.

E uma palavra não fica desbotada pela mesma razão dos jeans. Não é por falta de alternativa. Sempre que abro um dicionário novo (um velho que não conhecia), olho a palavra “água”. “Água” não tem estepe, mas pode abusar que ela não se gasta. É como o próprio líquido, que é usado e reusado desde o começo dos tempos.

Amor, feliz, honra. Certas palavras ficam surradas por razões inconfessáveis.

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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Bom lembrar


Moda é só o mais comum. O mais óbvio.

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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Assim como 2

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"Arrumada, saiu mais cheirosa do que abacaxi de esquina"

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um dia, uma tarefa

O que mais tem no mundo é formiga e injustiça. E uma das grandes é a aposentadoria. Injusta e imprevisível.

Demora décadas pra construir. O dito trabalha todo dia pondo tijolos que têm dimensão variável. Diminuem com o tempo. No início prometem que serão 20.000 tijolos pra erguer a casa de três metros de altura, depois são 40.000 pra casa de metro e meio. Tem que morar encolhido.

Uma hora é a desvinculação do salário mínimo, outra hora o fator previdenciário, depois a idade mínima. Tudo razoável, justificado, fundamentado por mentes louvadas, mas não menos injusto.

E além de injusto é mesquinho, já que é pouco o que aposentado precisa. Só de um dinheirinho suficiente e seguro, mansidão pra olhar formigas.

E de uma agenda pequenina.

"Hoje não posso, tenho que ir ao banco"
"Amanhã estou livre"
"Quarta vou ao médico"
"Quinta é dia de feira"


Agenda de aposentado tem uma linha por dia. As outras atividades? não dá pra escrever em agenda.

Agenda de uma tarefa é coisa que se conquista.

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Assim como 1 (ex-comparações 1)

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"Perambulava mais feliz do que cachorro de mendigo"

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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Comparações Zero

O Aldir Blanc, fera feríssima na letra de música, é também bom cronista.

Essa primeira é dele e vou chamar de Comparações Zero pra iniciar a série. Não me lembro do comparado, só da comparação.

Gol do Aldir, portanto, só to mostrando o videotape:

"A situação tava mais feia do que sofá da Tamakavi"

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sábado, 30 de julho de 2011

Desinfetante musical

Mais um dos defeitos da boa máquina que porta nosso eu, a sinapse musical nem sempre respeita o bom gosto. Musicas ruins grudam no cérebro da gente como visgo no pé de passarinho.

Nessas horas, o mais eficaz do mercado é o ANTISSÉPTICO CAYMMI.

Depois de cantar:

"A vizinha quando passa / com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / mas como a vizinha não há / ela mexe co'as cadeiras pra cá / ela mexe co'as cadeiras pra lá"; ou

"Minha jangada vai sair pro mar / vou trabalhar, meu bem querer / se Deus quiser quando eu voltar do mar / um peixe bom eu vou trazer"; ou ainda

"Rosa morena, onde vais morena rosa / co'essa rosa no cabelo e esse andar de moça prosa";

se a porcaria não desgrudar, só com cirurgia.

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segunda-feira, 25 de julho de 2011

João Bosco, um guri legal

Evito falar do que acabou de aparecer. Por isso, guardei esses comentários sobre o "Não vou pro céu, mas já não vivo no chão", que já tem uns anos e não teve o carinho que merece.

Como foi subamado, cabe agora defender o disco.

O João é um cara legal. Tem cara de violonista de república de estudante, meio moleque, meio pinguço. Você o vê, ele ri e toca seu som, que parece que só tem notas e ritmo.

Não que seja um letrista ruim. O “Na Onda que Balança tem boas letras dele próprio, mas tenho certeza que prefere fazer sua música, que não acaba quando compõe. Acaba no palco, junto com o violão, com a voz de percussão e aquela capacidade de lembrar letras impossíveis de se decorar e cantar sem gaguejar.

Pro João a música está sempre sendo composta.

Tem um filho que dizem que segurou o pai nesse "Não vou pro céu...". Brecou o pai dos excessos. "Pra valorizar suas grandes melodias", teria dito Francisco Bosco.

Sei não se é excesso, mas também ficou bom sem o dito excesso.

Francisco faz bonito nas letras. Algumas ótimas. E tem as do Aldir. Seja bem vindo. Bem retornado.

“Neguinho me vendo em quixeramobim / e eu andando de elefante em Bombaim”.

Quixeramobim e Bombaim! O resto nem interessa. Interessa Quixeramobim e Bombaim. Assim é feito o Aldir, com palavras que vão colar na música e na voz do João, que vai compô-las e recompô-las muitas vezes.

Assim é o João.

Só quem viu, tava no youtube e saiu, pode saber o que foi o Yamandu tocando Linha de Passe com o Bosco. É uma dessas músicas em que a letra parece só estar lá pra fazer o batuque na voz do João. “Naco de tatu lingüiça e paio e belzebu...”. E o Yamandu, exuberante, e o João tocando e a voz e o Yamandu correndo atrás e depois na frente e os dois naquela molecagem. “Cachaça com angu / rabo de saia ... e bolo de fubá barriga dágua. A letra (que tem que ser dura nas outras sílabas) quando tem que ser mole, quando tem que esticar, o João diz sssaaaiiiaa... dáaaagua...

Vai assim até que o Yamandu, que nem tem cara de sambista, dispara num crescendo que não se acompanha e o João pára de tocar e olha pro rapaz e diz “vai guri, fala guri, dá-lhe guri, vai guriiii”.

Breque. Pula agora do Youtube de volta pro disco.

Em Tanajura, uma das canções com letra do Francisco de "Não vou pro céu...", tem um "eu bobo, babo e caio" . Quando escreveu esse, o filho, que diz-que conteve o excesso do pai, se soltou, riu e pensou:

"esse verso só o maluco do velho vai saber cantar"

Seja o filho bom letrista, que fala na Tanajura, seja o garoto grande instrumentista, que arrebenta na Linha de Passe, os guris vão sempre saber falar empurrados por ele, porque o João sabe de guri. O João nunca deixou de ser guri. Ave João, ave guri.

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Jabuticaba

Diz que é brasileira. Vou acreditar. É deliciosa.

Contam que, dada a uma princesa estrangeira, a mulher fez cara feia quando explodiu na boca. Assustou.

Como é boa e só nossa, virou sinônimo meio pejorativo do que é invencionice do Brasil, insistência em reinventar a roda. Expressão de uma gente que não gosta de seu povo. Como se não pudéssemos inventar e como se a roda não tivesse que ser reinventada de vez em quando.

Tolos à parte, os que plantavam diziam que "quem planta não colhe". Nativa profunda, demora a produzir. Exige muita elaboração, muita seiva corrida pra ser apreciada, o que não se dá do dia pra noite. Frutifica no tronco e NA RAIZ. É como um samba do Nelson Cavaquinho.

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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Solidários 3

Nunca fumei. Experimentei, não gostei e fiquei nos outros vícios. Poucos. Dizem que não insisti o suficiente no desprazer inicial.

Que intimidade têm os fumantes! Duas pessoas fumam juntas e algo as une além da reles humanidade. Olham-se no meio da fumaça quase tão cúmplices quanto os amantes sobre a nudez.

E tem a solidariedade com o “sem cigarro”.

Qualquer um que coma sanduíches em mesa de calçada, de vez em quando nega comida ao pedinte. Não tem jeito, eles são muitos. Mas quem tem um maço na mesa nunca recusa um cigarro a quem quer que seja, mesmo o penúltimo. Nem fogo.

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domingo, 10 de julho de 2011

Tomara

Andava com o olhar do que conhece, mas estranha.

- É aqui a Rua Maria Antonia?

- Essa mesma.

- Tem uma doceria, a "L...", nesta rua?

- Tem sim, era aqui, mudou, mas fica logo ali.

Os pés não saíram do chão, que a idade já não permitia, mas deu um pulinho, que se viu nos ombros e braços vibrados, no sorriso salivado, e nos olhos, que chisparam gula.

- Ai que bom! faz mais de quarenta anos que não venho.

Os donos não são os mesmos, "sob nova administração" se botou mais de uma vez até virar franquia, mas tomara que o doce faça justiça a tanta saudade.

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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Penas e pernas

Há um esforço pra diminuir a prisão, as penas ditas privativas de liberdade.

Como o mundo NÃO SE CONFORMA em não punir, criaram as penas privativas de direito, que servem também como substitutas da prisão preventiva.

Um dos direitos de que o safado-canalha-fdp-torpe do delinquente-indivíduo-marginal pode ser privado é o de frequentar certos lugares.

Que lugares?

"ah, bota aí bares e casas de prostituição"

"Zona, excelência?"

"Isso, mas não vai escrever zona, né?"

"Mas tem um artigo de uma lei aí que fala de lugares que incentivam a praticar os crimes"

"Pois é, na zona"

"Mas, excelência, ele é estelionatário. Não sera melhor proibir o dito de ir ao banco, à bolsa de valores ou a algumas igrejas?"

"Não me dá trabalho, escreve casa de prostituição"

"Mas ele é feio, excelência. Não arruma namorada, ainda mais com a fama que vai ter agora. Na casa da Nadir, tem a Ritinha que cobra pouco dele, parece que enrabichou."

"Não vai acabar essa ladainha?"

"Mas, excelência, se sacudindo nas coxas da Ritinha ele vai ficar mais meigo, não vai pensar em bobagem, querer enganar ninguém. O Sr. conhece as pernas da Ritinha? puxa! é a filha da Dona Ludovica."

"Da Ludovica, é? !..."

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PS: Um amigo me perguntou se isso aí em cima acontece.

Essa brincadeira veio de uma notícia que recebi do clipping da Associação dos Advogados:

"Em São Paulo, um homem preso sob a acusação de PORTAR UM CARTÃO DE CRÉDITO ROUBADO foi solto anteontem após assinar termo se comprometendo a não ir a bares e casas de prostituição. Réu primário, ele foi indiciado sob suspeita de receptação."

Será que roubam muito cartão de crédito na zona? Pensando bem, até pode ser: o cara joga a calça longe, o cartão cai e o delinquente pega.

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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Bem que podia ser verdade

Ouvi uma vez, parece que do Érico Veríssimo, que o sotaque tem relação com o que se come. Por isso, o nordestino, que come farinha misturada no feijão e outros líquidos, tem a fala pastosa; e o gaúcho, que come muita carne, mastiga as sílabas com firmeza.

Pode não ser verdade, mas é bonito.

Não tinha escada rolante na minha cidade. Meu pai voltou de Brasília, onde tinha ido tratar de coisas da diretoria da Associação de Ferroviários, dizendo que tinha lá um monte de gente de braços e pernas engessadas. "É que tem muita escada rolante, filho. Aquilo pára, o sujeito vai descer a pé, a força volta de repente e ele cai e quebra a perna".

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terça-feira, 28 de junho de 2011

Palavras de homem grande

Quando era menino, achava os nomes dos padrões e cores de cavalo palavras de homem grande: alasão, baio, palomino, tordilho e outros que esqueci. Menos pampa, que era palavra engraçada, meio que uma palhaçada.

Ele é malhado, o pampa. É mesmo um pouco palhaço.

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domingo, 26 de junho de 2011

Solidários 2

O brasileiro também é solidário pra ensinar o caminho. Mesmo que não saiba. O motorista já percebeu que o inquirido está em dúvida, que o que ele disser em nada vai ajudar, mas é obrigado a ficar esperando o final das instruções cheias de “talvez” e “não sei bem”, que agravam ainda mais a hora tão perdida quanto o norte.

Há também os que sabem a direção, mas não sabem descrever. “Você vai por essa rua e entra três travessas ANTES da avenida”. Ora, se o pobre não conhece a região, como vai saber que faltam três travessas para chegar a uma avenida que também não sabe onde é?

No Rio uma referência charmosa e inútil é o aterro, palavra lindamente pronunciada pelos cariocas. “Onde fica tal rua, moço?”. “É fácil, você vai por aqui e, quando chegar no atieerro, vira na segunda rua”. O forasteiro segue a dica, mas não há única placa dizendo “você está SOBRE o aterro” e vai longe, sem que nunca apareça o tal monte de terra.

Nesse caso vale a pena: é bom prejuízo se perder numa cidade tão bonita.

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Solidários 1

Parodiando o Nelson: “o brasileiro só é solidário na porta do carro aberta”.

Basta que a porta do automóvel esteja mal fechada, naquele estágio em que fica uma fresta, embora esteja presa, pros os outros carros perseguirem o ameaçado e os ocupantes se esgoelarem avisando, como se fosse um grande risco.

Na verdade não deve ser perigoso. É muito raro uma porta abrir, já que o movimento do carro pra frente tende a fechá-la. A menos, é claro, que você ainda seja um feliz proprietário de uma decavê.

De qualquer forma, todo mundo avisa, o descuidado agradece e a solidariedade do dia está garantida.

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

De graça, claro

Um serviço público pode ser sustentado por impostos (destinação não específica, o bolo do Estado) ou taxa/preço público (específico para pagar esse ou aquele serviço).

De qualquer forma tudo sai do bolso das pessoas. O Estado não produz dinheiro, administra o nosso.

A manutenção das ruas, a luz que faz funcionar o semáforo, a limpeza das bocas-de-lobo e muitos outros serviços são custeados por impostos. Todos pagam, independente de ter ou não um bueiro na frente de casa ou um sinaleiro na esquina.

Os ônibus, metrô e trens que funcionam na cidade também deviam ser assim. Serviços públicos (e são públicos, no máximo concessões) sustentados por impostos de todos e não por quem usa.

Na hora do uso não haveria catraca. Claro que há sempre alguém que diga que isso incentivaria o uso excessivo do transporte público, como se fosse muito divertido passear em ônibus lotado, parado na avenida. Caso um ou outro aposentado tivesse esse hobby estranho, outro serviço público estaria sendo prestado, já que os bingos foram fechados.

O fato é que todos pagarem igualmente pelo transporte coletivo de todos seria mais justo, pois alguém mora longe PORQUE o outro mora perto.

Cobrar mais de quem mora longe é como cobrar, na conta do condomínio, uma taxa de elevador maior dos moradores dos andares mais altos - um absurdo completo.

O bilhete único foi avanço, mas ainda dá pra ir além.

O critério é simples: deve ser mantido por impostos tudo o que é condição de funcionamento da cidade.

E o transporte público é condição de funcionamento.

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Futebol

O homem era da roça e veio com filhos pequenos. Dois daqueles garotos rosados, fortes, calados como as gentes do mato. Parece que zelar pela planta que cresce incentiva o silêncio.

Falastrão, fiz que fiz e os meninos não diziam palavra. Perguntei de plantas, da antiga cidade, da escola e nada de resposta. Um abismo nos separava.

Por fim, mandei o comentário do jogo da véspera:

- [...] porque vocês são corinthianos, logo se vê.

Foi uma grita geral. Soltaram o verbo.

- De jeito nenhum, a gente é do Palmeiras! eh, pai, ele ta falando que a gente é do Corinthians, eh time ruim! deus me livre!

Importante esse tal de futebol.

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Capitais insuficientes

Eram sete os pecados capitais: gula, preguiça, luxúria, vaidade, ira, inveja e avareza. A lista variou ao longo dos séculos, mas pouco.

Coisa do passado, nenhum deles permanece pecado. Ao contrário, são louvados e incentivados, principalmente a vaidade e a prima da avareza, a cobiça.

Nunca o Jamie Oliver ou a Probel, há quem torça o nariz para a gula e preguiça, mas pelo mal que fazem ao que peca. Nada de pensar no próximo.

Até se pode dizer que, compondo alguns dos sete, há outros camuflados. De qualquer forma, talvez por que o legislador os praticasse sempre, a crueldade e a injustiça nunca foram pecados.

Fez falta.

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De novo a capucheta

Diz que saiu na imprensa que "empinar capucheta" é expressão da Moóca. Pode ser, mas também é da minha cidade - Jundiaí.

Chamem o Harri Lorenzi! Esse maravilhoso agrônomo faz ótimo enfoque das diferenças regionais: nunca diz que um ou outro nome que uma árvore recebe nos lugares onde cresce é superior. Todos são listados em ordem alfabética. Minha cidade, que é especialmente exótica nas denominações, agradece.

Mas faz tempo que não estranho que a Zona Leste, assim como o ABC, use expressões iguais às jundiaienses (quantas vogais, não?).

Só percebi a semelhança tempos depois de vir pra cá. Em Pinheiros, onde morava pra estudar, naquele tempo era barato, tudo era diferente. Eu era estrangeiro. Quando conheci o pessoal da Zona Leste, me senti em casa! As nossas expressões, palavras estranhas, tudo.

Tenho uma teoria, dessas que são boas pra algum estudioso refutar.

A estrada de ferro aproximou os dois lugares! a Zona Leste e o ABC são mais íntimos de Jundiaí do que da Zona Oeste, por causa da estrada de ferro Santos a Jundiaí. Os operários trabalhavam nos dois lugares.

Eram mais quilômetros, mas menos horas.

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PS: Cabe aqui um pedido de desculpas pra quem lê de longe (internet é que nem estrada de ferro). Esse comentário é um grito regional!

Um glossário ajuda: Moóca e Pinheiros são bairros de São Paulo; Zona Leste e Oeste, regiões da capital; e Jundiaí é uma cidade que fica a menos de uma hora de distância, ponta de uma estrada de ferro histórica que passa por Sampa, a "Santos a Jundiaí", que ainda funciona, mas não desce mais a serra.

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domingo, 5 de junho de 2011

Moisés e o deserto

Diz que Moisés errou por 40 anos no deserto porque homem nunca pergunta o caminho. Não devia ter muitos solícitos parados na areia quente pra perguntar, mas piada é sempre injusta.

Ara, claro que a gente não pergunta! Por séculos nos ensinaram que pedir ajuda é coisa de mulher, da vida privada, do afeto, e que homem tem que se virar sozinho, cuidar da vida pública, da competição.

Agora as coisas vão se equilibrando, mas foi muito o tempo do cachimbo. Demora pra desentortar a boca.

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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Palavras bem postas

Pessoas de antigamente, de pouca escola, tinham um domínio da língua que muitos não temos hoje.

Com um sorriso maroto, minha tia-avó citava o pai, que nem tinha completado os quatro anos do primário, pra protestar contra as mulheres que se diziam gordas por neura feminina:

- Tu és gorda como um bacalhau no rabo.

Frase genial, de causar inveja aos melhores publicitários (eles existem!). De uma só cajadada, meu bisavô comparava a moça à coisa mais magra que existe, o rabo do bacalhau, e mandava que a vaidosa deixasse de ser boba e metesse um bacalhau no rabo.

O outro dito era da minha mãe. Quando a gente pensava demais e enrolava pra fazer o que tinha que ser feito, ela dizia impaciente:

- Vamos cuidar da vida que a morte é certa.

Menino, eu não entendia. "Certo" na nossa casa era apenas o antônimo de "errado". Não tinha o significado de pronto, do que não tem o que cuidar ou aprimorar, por acabado.

Um primor.

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Os pintadinhos

Na dúvida se "carijó" é espécie de galinha ou padrão de penas (eu que não vou ajudar a empobrecer a língua esquecendo essas palavras bonitas), encontrei um "frango-dágua carijó" e me disse uma amiga que no Paraná chamavam os gatinhos rajados de carijós.

Então carijó é pintadinho.

Sempre fui pintado, ovo de peru. Podiam ter me chamado de "moleque carijó".

A Françoise Fourton e a Evangeline Lilly são "moças carijós"!

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terça-feira, 24 de maio de 2011

Coisas de cima

Tava quente, meio dia, e já cercava os frangos imaginários.

Na encruzilhada o feitiço ruim: as velas; a farofa; umas penas com seu dono, parente morto daqueles imaginários vivos, em situação que não se descreve na frente das moças; e o copinho cheio.

De pinga.

Olhou pros dois lados e tomou a branquinha, depois de despejar o gole do santo.

Afinal já era do santo.

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sexta-feira, 20 de maio de 2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Capucheta


Foto feita durante a remoção da favela para a construção de uma grande obra viária em São Paulo, na época em que a Avenida se chamava Águas Espraiadas, assim no plural.

As outras pipas têm papel de seda, esqueleto de varetas e cola pra todo lado. Capucheta é jornal recortado, ajeitado na forma de sela, seio onde se encaixa o vento. Furada em dois lados, a linha do tirante é presa por palitinhos. Tem rabiola. Não se pode puxar muito, que ela rasga.

É de brisa.

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terça-feira, 17 de maio de 2011

Drummond, múltiplo em um poema

Muita gente já leu Mineração do Outro (*). E escreveu. Pouco leio leitura alheia. Se você também é assim, pare aqui.

Tem, no Mineração, o último verso:

arder a salamandra em chama fria.

Diz que salamandra é bicho que não queima. Tanto que o operário que entra na caldeira quente pra consertar tem o apelido de salamandra, que também é nome de aquecedor. A vagina tem forma e consequência de chama. Carlos é gauche. Cada um que junte como quiser.

Mas os primeiros versos são meus favoritos:

Os cabelos ocultam a verdade.
Como saber, como gerir um corpo
alheio?


Vamos dizer que amante do Carlos é Vênus. Não é a Williams, que Carlos não conheceu, mas bem podia ser, se tivesse conhecido.

Os cabelos são de Vênus, ninguém há de negar. Carlos nunca teve muitos, mas, ainda que tivesse tido, os cabelos seriam de Vênus.

O "alheio?" está em verso solitário e aí começa a folia.

A primeira dúvida plantada é de quem é o "alheio?". Gerir um corpo alheio não é fácil. Gerir o corpo de Vênus quando Carlos está alheio no ato, menos ainda. Para gerir o corpo de Vênus, só estando alheio? Como são mais ricas, fico entre a segunda e terceira explicações, sem nunca me esquecer da primeira, pra estragar um pouco menos o poema.

Mas não pára(**) aí.

Ao separar o "alheio?" do corpo, a dúvida não foi só para o alheio, foi também para o corpo. No amor é grande a dificuldade de gerir o corpo do outro, mas é ainda maior a lida de gerir o próprio corpo. Só é possível, se estiver alheio?

Esse Carlos é mesmo do balacobaco.

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(*) aqui tem o poema inteiro e leitura de outro Carlos. Cuidado com a internet, tem gente que não separa o "alheio?" em verso isolado. Esses bárbaros!

(**) para combater outros bárbaros

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

No inverno

Piquininho e magrela, mais ou menos em 1967, nadava com irmãos e primos na represa de água barrenta. Tinha muito frio, batia os dentes.

- Agora sai, cê já ta com o lábio roxo!

Mas deixava mais um pouco, que se divertia tanto. Quando saía, tremia que nem vara verde e tinha sempre uma toalha de esfregar e envolver, um banquinho no sol e uma caneca de café quente.

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sábado, 30 de abril de 2011

O cérebro e o coração

A ciência evoluiu e, com ela, a definição de morte. Morrer não é mais ter o coração parado. A morte agora é cerebral.

Trocamos o coração pelo cérebro.

E não foi só pra isso.

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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Coringa do medo de incomodar

Antes do tempo do eu-menino (que não conto quando foi), o medo de incomodar era o mínimo que os educados deviam ter. Mesmo os pequeninos. Eram muitas as antigas histórias de crianças "pidonas" e os assustadores castigos que tinham sofrido.

Sobrou um pouco desse excesso de dedos pra minha infância, tanto que, antes de aceitar uma guloseima qualquer, ainda que preparada pela tia querida, eu esperava que a oferta fosse feita três vezes.

No terceiro "pega!" ficava claro: aquele doce não ia fazer falta pro dono e quem insistia três vezes queria no duro que a gente aceitasse! Deixei de comer muito doce gostoso por desistência dos adultos mais impacientes ou mal informados das regras de etiqueta caipira.

O medo de incomodar também impedia que dormíssemos nas casas dos amigos ou que nossos pais usassem, a menos das urgências graves, o telefone do único vizinho que era conectado pela Telesp.

E vinha desse medo uma expressão deliciosa.

Mesmo depois de uma visita muito agradável à casa de um camarada, em que todos tinham trocado um caminhão de afetos e sorrisos, aquele que ia embora disparava a escusa coringa:

- Desculpa qualquer coisa.

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terça-feira, 12 de abril de 2011

Símbolos


Todo mundo já precisou escolher um desses dois botões no elevador e, em vez de fechar, abriu. Ou vice-versa.

Você esta lá naquele momento em que já se instalou pra subida, olhando pra frente, e a porta ainda não se fechou. Vê ali o amigo que corre sorrindo por ter alguém que segure a caixa pra evitar a espera e, ainda por cima, garantir a viagem no papo da manhã. "Que bom! é fulano", e, rápido, vai com o dedo pra segurar a porta. "É essa ou aquela? o triângulo pra fora abre ou fecha?". Segundos fatais. A porta não respeita a dúvida e a máquina vai, levando um e deixando outro sorriso amarelo.

Que diabo! O melhor sinal pra abrir ainda é ABRE e, pra fechar, é FECHA.

Inclusive pros analfabetos.

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sábado, 9 de abril de 2011

Território mínimo

As andorinhas pousadas nos fios mantêm um espaço entre si. Um sim, um não; um sim, um não. Pra não virar bagunça, que elas já garantem com a gritaria.

Ouvi uma vez que o truque do domador não é o chicote, mas o passo para trás. Ta lá o leão achando que naquela distância não faz mal ter um sujeito vestido de forma ridícula. O almoço sem sabor dá um passo pra frente; "gruurraauurrruuuu" (tradução: "oooolha! ta muito perto!"), o rei alerta; o almoço estala o chicote e ao mesmo tempo, malandro que é, recua o passo que avançou; "rruruuuu" (trad: "não sei que barulho é esse, mas fica aí que ta bom"); e a plateia aplaude a coragem e o poder do insosso.

Tudo uma questão de distância civilizada.

Por isso a gente fica tão sem graça com um desconhecido no elevador.

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Quando se tem convicção

Na repartição tinha (havia) um senhor bom de português. Muito rigoroso, corrigia todo mundo, não por arrogância, mas por vício de décadas de magistério.

Voltando do almoxarifado, uma colega falou: - não tem mais borracha.

Ele mandou professoral: - já te falei que não é "não tem", mas "não há" que se fala.

- ah, Fulano, depois do 'tinha uma pedra no meio do caminho' do Drummond, esse uso ta mais do que autorizado, socorri a moça.

Ele olhou pra cima como quem se lembra e sentenciou: - eu nunca vi nenhuma graça nesse poema!

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PS: Há (tem) uma outra autorização pra lá de talentosa desse uso: Ou então felicidade / É brinquedo que não tem ("Boas festas" - Assis Valente)

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terça-feira, 29 de março de 2011

Preferências

Sempre que peço cerveja, fora do boteco, num encontro um pouco mais formal, aparece alguém para torcer o nariz e me recomendar vinho.

Aviso logo de uma vez por todas: prefiro as amargas às azedas.

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segunda-feira, 21 de março de 2011

Quando o entusiasmo não dura

Faz um tempo já, saiu um disco em homenagem ao Adoniran: "Dá licença de contar".

Vi nas notícias que Chico cantava. Entusiasmo! claro que é exagero, mas esse moço Buarque tem ligação direta com o coração de quem ouve música brasileira. Já o imaginei cantando, com a sensibilidade que um compositor reserva para o outro, lindamente, apesar da infinidade de opiniões contrárias:

oh oh oh oh oh, meu senhor, é uma ordem superior;

ou

procurei na central
procurei no hospital
e no xadrez
[...]
"pode apagar o fogo, mané, eu não volto mais"
;

ou

Eu não vou pedir, mas se você quiser me dar
Aquele beijo, ao qual eu faço jus
[...]
"boa noite, zé, té manhã se deus quiser".
Tá tudo legal


ou

"Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homis tá cá razão
Nóis arranja outro lugar
Só se conformemo quando o Joca falou:
"Deus dá o frio conforme o cobertor"


Os três mosqueteiros da desventura de "Saudosa maloca" (*) tratados com o cuidado com que foi cantado o abandonado no baile de "Sem compromisso", do Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro! Um sonho dourado!

Mas foi entusiasmo que durou pouco. Gravou "Bom dia, tristeza", uma letra derramada e sem importância, desconectada da obra maior do Adoniran. Se era pra homenagear o Vinícius, que declinasse do convite.

Nem comprei o disco.

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(*) "Saudosa maloca" é caso raro na MPB. Tem três personagens que representam mais de meia humanidade: Mato-Grosso, que quis gritar, revolucionário; "eu", primeira pessoa, "os homis ta coa razão", legalista; e o Joca, "Deus dá o frio conforme o corbertor", a religião, o refúgio final dos desabrigados sem saída.

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sábado, 19 de março de 2011

Cada projeto!


Se você é do ramo e não é de Sampa, não vai acreditar.

Temos aqui bancos de pontos de ônibus que não são horizontais, mas paralelos ao chão.

E olha que temos ladeiras!

Daí o exausto se senta, cabeça não gosta de ficar inclinada (parece que é coisa dos tais labirintos, que nos põem no prumo) e dá-lhe escoliose forçada.

Depois não sabem o porquê da nossa cara feia no fim do dia.

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sábado, 12 de março de 2011

Em outras construções

Foi ouvindo "Fly me to the moon - in other words" que me ocorreu a proposta de imitar o inglês.

Tem o pianinho do Tom e o ar na sua voz; “Francis, let’s fly”; a voz do Frank, contida pro amigo; os metais de rodar com a namorada pelo salão.

Mas tudo o que se diga é pouco. Ouça lá: clique para ouvir.

A proposta canibal vem do "Fly me".

Voe-me! Dizemos toque-me, leve-me, lave-me, beije-me. Só construímos assim para os transitivos.

Digamos "voe-me". Ou “estou tão triste hoje, durma-me”.

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quinta-feira, 10 de março de 2011

Avelãs da Ribeira

Minha avó dizia ter nascido no povoado de Avelãs da Ribeira, em Trás os Montes. Saiu de lá muito pequena e nunca voltou.

Faz muito tempo, era menino, nunca anotei, mas não me esqueci, que o nome, além de bonito, é ótimo pra se pronunciar com sotaque português (Avvlãs da Rrbaira).

Perguntei pra muitos, portugueses e viajantes, e nunca ninguém me disse conhecer.

Encontrei no google.

O povoado tem uma bela ponte em arco de pedras e mais ou menos duzentas almas, daquelas dos vivos. Das outras deve ter muito mais. A da minha avó inclusive.

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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Veteranos

Tem sempre alguém reclamando das novidades tecnológicas até que elas envelheçam, tornem-se nostálgicas como uma foto em preto e branco, e todos as amem. Imagino ter sido assim com o nascimento do rádio, invenção que guinou o nosso tempo, junto com a máquina a vapor, exemplo de uma energia que vira outra e viabiliza desde a refrigeração até as ondas que invadiram a privacidade excessiva das casas de antes.

O MP3 me trouxe de volta o hábito de ouvir canções no carro. Hábito que andava abandonado, como o de escrever cartas, até que o e-mail despertasse o missivista. Exceto pela correspondência com um único camarada, que durou até que sua máquina de escrever, mecânica, quebrou, não colava selos pra mais ninguém. Parece que consertou a remington, mas não tem me escrito mesmo assim. Melhor nem saber por quê.

Mas, voltando ao MP3, por conta dele gasto os hiatos dos semáforos cantando velhas canções. Aos brados. Todos somos ridículos na cidade grande.

Num dia de vermelho com "Boca da noite", um desses homens que pedem nas ruas se aproximou e aumentei o volume pra chamar sua atenção. "O vento vai pra onde quer / A água corre pro mar / Nuvem alta em mão de vento / É o jeito da água voltar".

- Ah, você é veterano, me disse.

Éramos e sorrimos um pro outro.

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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Livros de garimpar

Tenho grande carinho por livros de garimpar.

Numa tarde em Monteiro Lobato vi um passarinho verde. Exceto pelos periquitos, passarinho verde é coisa rara. Tanto que se diz daquele que ri à toa: "esse aí parece que viu um passarinho verde".

Ainda estava encafifado, "que passarinho verde é esse?", quando vi, voando ao redor, um outro parecido, mas azul.

Procurei no "Aves do Brasil", do Dalgas Frisch, e estava lá, em lindo desenho, o casal. A patroa do saí azul é verde.

As frases em latim eu cato no "Não perca seu latim", do Paulo Rónai, e as árvores procuro no "Árvores brasileiras", do Harri Lorenzi, o consultor do ótimo programa de televisão "Um pé de quê?"

Imagens, como as de aves e árvores, não têm ordem alfabética. Pra achar no livro o que viu na vida tem que folhear.

As expressões latinas têm ordem, mas a gente folheia também.

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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Filme policial

Roteiro de filme policial de 1h40min.

0 a 2 min: corpo jogado no mato, câmara se aproxima de ferimento no peito, repulsivo, muito sangrento, música dramática crescente.

2 a 5 min: câmara sobe, se afasta do corpo, tomada cada vez mais ampla de terreno baldio, corpo sempre na lateral esquerda, até entrar no quadro, no canto superior direito, um homem correndo com arma na mão e, no canto inferior direito, dois detetives e três policiais fardados em frenética perseguição.

5 a 7 min: detetives capturam, com certa violência, homem ainda portando a arma.

7 a 15 min: suspeito confessa na delegacia, perito afirma que o revólver do suspeito é a arma do crime e que há marcas de pólvora na mão do homem.

15 a 16 min : delegado elogia os detetives John e Frank pelo caso resolvido.

16 min até 1 hora e 40 minutos: Frank dorme e ronca, debruçado na mesa de trabalho, e John preenche palavras cruzadas e busca um café de vez em quando.

Créditos e fim.

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Muito barulho por nada

Tem muita gente preocupada com o livro digital e o futuro da leitura.

Não há por quê.

O livro é um processo que começa com o primeiro comichão do escritor e acaba com o fechamento dos pdf’s da capa e do miolo.

O resto, que diferencia o livro que se pega do digital, é papel, diesel de caminhão e aluguel de livraria de shopping: negócios, portanto.

Nada que seja da conta de quem gosta de literatura.

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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

De novo, a mudança do já escrito

Sou adepto do livro eletrônico (virtual todo livro é), ou pelo menos não sou do exército de resistência.

Dizem que é difícil se acostumar, mas é preciso ter calma!

Quando o livro substituiu o pergaminho, também fiz careta, mas depois me acostumei, mesmo considerando um prejuízo esse negócio de deixar o parágrafo ou a estrofe anterior encoberta pela página virada.

Fico feliz que o livro eletrônico, como o bom pergaminho, possibilite o “rolar”, contínuo, em vez do “virar”, brusco, embora o medo de perder leitores nostálgicos tenha mantido nele, por enquanto, a organização em páginas.

O único aspecto que estranho é o fim da “edição” como marco do pensamento do escritor naquele momento.

Os autores sempre mudaram seus textos em casa, mas publicar era um ponto final, só alterado por outro ponto final da nova edição. Degraus da evolução.

Por exemplo, acabei de mudar o texto abaixo “Regra deseducadora”. Tentei corrigir uns tropeços de redação e acrescentei um final para ampliar o argumento. Ainda que fosse obra importante, que merecesse atenção histórica, quem saberia desse passo?

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Regra deseducadora

Ainda sobre acordos sociais, é um falso avanço os avisos nos transportes públicos: “Este lugar se destina preferencialmente às gestantes, pessoas carregando crianças, idosos e pessoas com deficiência. Na ausência de pessoas nessas condições, o uso é livre”. Ufa.

Pra que tanto lero-lero? sem falar da odisseia que foi o trajeto da língua pátria até a expressão “pessoa com deficiência”, que passou pelo “deficiente”, que rotula e exclui; o “portador de deficiência”, inexato, pois deficiência não se carrega como um pacote; e sei lá mais que outras tentativas cheias de dedos.

Mas o mais grave é que esses avisos deseducam ao sugerir que cordialidade tem lugar marcado e que, lotados os bancos indicados, esgota-se a gentileza do coletivo.

Como o mundo não está mais pra meias palavras, melhor seria: “É óbvio que todos os lugares se destinam às pessoas que precisam mais. Seja gentil”.

Curto e grosso, até tinta se economizaria.

Agora, perfeito mesmo seria trocar tudo isso por uma placa de “bom dia” e o resto decorrer.

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Entre a cruz e a espada

Algumas normas de convívio eram retas, direcionadoras. O avanço do pensamento mais elaborado parece residir em grudar nelas algumas incertezas. Amolecer os grilhões em mãos macias que indicam não um caminho, mas a importância de andar.

Claro que essa dispersão das regras complica a vida. É muita encruzilhada pra pouco mapa.

Quando “respeitar os mais velhos era uma máxima intocável, devia ser mais fácil ser professor. Estabelecia-se, logo que o pobre começava a aula, um respeito prévio que o protegia de enlouquecer com tanta baderna. Hoje, pro bem e pro mal, “respeitar os mais velhos” não se ensina mais e o pobre mal-pago tem que conquistar, centímetro a centímetro, a atenção de cada mente daqueles malucos que os pais mandam pra escola sem qualquer cerimônia.

Da mesma forma o “primeiro as damas”, que dava certa ordem pras filas, ou o “criança não deve participar de conversa de adultos”, que evitava as complicadas explicações daquilo que o guri na verdade não devia ter ouvido: “titia é sadomasoquista, papai? o que é isso?” ou “por que você disse que o irmão da mamãe é 171?” (claro que toda maledicência do mundo se destina aos cunhados).

Como não usamos mais regras retas e práticas como essas, cada passo tem que ser dado com um olho nos defeitos do chão.

Deve valer a pena, mas dá um trabalho!

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Há que se buscar

Convencionamos classificar as ciências em biológicas, exatas e humanas.

Que as jurídicas não sejam as desumanas.

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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Desprezados demais

Que tal pedir, guiar e pôr em vez de solicitar, dirigir e colocar?

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